Grupo de Trabalho Clóvis Moura - Apresentação
Homenagem especial à Professora Clemilda Santiago Neto por sua dedicação, esforço, persistência e determinação, sem o que este levantamento não teria sido iniciado na SEED no início de 2005, propiciando a instituição, em Abril 2005, do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, onde ela, no Campo, deu a tônica.
Este não é um trabalho acadêmico-científico!
Trata-se de relatar, apresentando os dados e as estatísticas do que foi alcançado até esta data, no Levantamento Básico de Comunidades Negras, remanescentes de quilombos ou não, historicamente e até agora invizibilizadas e/ou suprimidas pelas diversas esferas do poder e da sociedade civil para, além de reavaliar a presença dos pressupostos africanos no Estado, atingir objetivos mais imediatos: torna-las alvo de políticas públicas que estão sendo disponibilizadas à outras comunidades e segmentos sociais, em ação de inclusão social.
A forma como o desvendamento da existência das Comunidades Remanescentes de Quilombos – CRQ’s, “Terras de Pretos” ou de Comunidades Negras Tradicionais - CNT’s, se apresentou no Paraná difere em muito que a de outros estados onde o trabalho junto a tais grupos, há muito conhecidos, já se encontrava, só que de forma singular, em processo avançado nos seus levantamentos, sistematização e planejamento das políticas aplicáveis a tais universos. Inicialmente há o fato de que os estudiosos da questão, tanto aqui quanto no resto do país, imaginavam a existência de muito poucas Comunidades: a Comunidade da Invernada do Paiol de Telha, tida como no município de Pinhão , mas que luta por seu território histórico e ancestral no município de Reserva do Iguaçu, a Comunidade do Sutil (aí se englobando a de Santa Cruz), localizadas no município de Ponta Grossa e a existência de algumas no Vale do Ribeira, não se sabendo bem qual e onde, apesar de referências esparsas.
Foi durante o I Encontro de Educadores/as Negros/as do Paraná, em Novembro de 2004, chamado pelo Movimento Negro com amplo apoio do Governo do Estado, que as informações trazidas à tona por seus participantes provocaram o conhecimento de um outro quadro e o interesse, pois, os indicativos aumentavam o número de comunidades possíveis para 08 (oito) ou, quem sabe, até para 10 (dez) ainda que não muito bem definidas e/ou localizadas. O debate havido no encontro criou uma grande expectativa nos educadores e e junto as Secretarias da Educação, a da Cultura e a Especial para Assuntos Estratégicos, que inicialmente trocando informações, se viram compelidas a conhecer tal realidade, cada qual sob seu enfoque, Na Secretaria da Educação, motivados principalmente, entre outros fatores, pela Lei 10639 de 09/01/03 que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira no currículo do ensino fundamental; na Secretria de Cultura o fato novo, um novo “Paraná da Gente”, agora também negro, e na Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos repercutindo em sua “Assessoria para Assuntos de Racismo, Xenofobia e outras formas Correlatas de Discriminação”.
O tempo urgia diante da necessidade de desvendar esse Paraná que até então se havia mantido na obscuridade desde o período pós escravidão e principalmente sob o discurso encampado pelo Movimento Paranísta (Romário Martins) dos anos 20-30, que além do mais, enfatizava a imigração européia/ocidental (final do Séc.XIX). Assim, o Paraná vem sendo apresentado: como um Estado eminentemente europeu, em uma política de negação das demais alteridades de origens étnicas não-ocidentais. O entendimento e a comprovação de pesquisas mais recentes (citadas a seguir) demonstram que havia um pacto de silêncio visando desta forma a invisibilidade dos afrodescendentes, negando ou escondendo a efetiva contribuição das etnias africanas e seus descendentes na economia fundante ou inaugural do Estado.
É importante marcar que os demais Estados da região Sul do Brasil como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mesmo com um menor índice de população negra que o Paraná, não só se mobilizava já nas décadas 70/80, como atualmente mantém diversas ações anti-racistas através dos parlamentos municipais e estaduais na elaboração de políticas públicas de ações afirmativas e de reconhecimento.
Ressalte-se que nos dois Estados ações e estudos com comunidades quilombolas há muito que vem se realizando, com destaques para o trabalho do NUER, junto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com o Movimento Negro de ambos os Estados.
No Paraná, em que pese a existência de uma literatura regionalizada que aborda a questão da escravidão, encontrada entre outros em Marcondes; Abreu (1991), Martins (1999), Portella (2001), Bauer (2002), Hartung (2004) , Souza (2004) , em uma publicação da Prefeitura de Ivai, além de estudos e fontes que constam do Catálogo Seletivo de Documentos Referentes aos Africanos e Afrodescendentes Livres e Escravos no Paraná , publicação do Arquivo Publico do Paraná a partir de seu acervo documental, e o conhecimento, ainda que enevoado, da existência de pelo menos duas comunidades quilombolas: Invernada Paiol de Telha, que com o esbulho de suas terras foi espalhada pelos municípios de Reserva do Iguaçú, Guarapuava e Pinhão, e a de Sutil/Santa Cruz no município de Ponta Grossa, tais fatos e evidências não demandaram para quaisquer dos governos anteriores, nenhuma ação visando a identificação de tais comunidades remanescentes ou de “descendentes de quilombos”.
A criação do Grupo de Trabalho Clóvis Moura (GTCM) no Governo do Estado, instituído pela Resolução Conjunta 01/2005-SEED–SEEC–SEAE–SEMA-SECS e posteriormente ampliado com a participação de outras Secretarias e com prazos prorrogados pelas Resoluções Conjuntas 01/2006 e 01/2007-SEED–SEEC–SEAE–SEMA-SECS-SESU-SEAB-SEJU-SETI-SETP-PMPR, rompe com o pacto do silêncio das elites, e em especial com o viés latifundiário, como mecanismo de invisibilização das questões étnico-raciais do Paraná.
Este trabalho trouxe à tona uma realidade perversa vivenciada pelas etnias que construíram esse Brasil, inclusive o Paraná, encarando que há:
Um amplo processo de cidadania incompleto e que anseia por ações e políticas públicas, visando o reconhecimento e a garantia dos direitos territoriais dos descendentes dos africanos capturados, aprisionados e escravizados pelo sistema colonial português. As terras dos quilombos foram consideradas parte do patrimônio cultural desses grupos negros e enquanto tais devem ser alvos de proteção por parte do Estado.
Ao completar parte significativa do Levantamento Básico, o Governo do Paraná partiu para a implementação de políticas públicas considerando as necessidades das comunidades negras no todo e nas suas especificidades. Avança o GTCM, para ajudar na tarefa de construir uma política de Estado para as Comunidades Remanescentes de Quilombos, “Terras de Preto” e Comunidades Negras Tradicionais para que “a dupla dimensão reconhecimento–redistribuição na ampliação dos patamares de justiça social” e/ou reconhecimento como dimensão que contemple redistribuição e justiça”, serem concretizadas.
O Paraná não mais será o mesmo depois deste trabalho. O mapa do Brasil quilombola onde antes, na área de nosso estado, aparecia um vácuo com apenas uma mera citação da comunidade Paiol de Telha, eventualmente quilombola está agora bastante modificado. Os Outros, a Alteridade, os que antes estavam marginalizados, escondidos por decisão do “marketing” político de nos apresentar como um “estado europeu”, estão vizibilizados para todo o Brasil e sendo incluídos na dinâmica da cidadania ampla das políticas do atual Governo.
O que não se esperava é que o Estado historicamente considerado europeu ou europeizado, além de ser reconhecido como de expressiva população negra, se descobrisse com uma geografia na qual a existência de Comunidades Negras Tradicionais, de Comunidades de Quilombos e de ‘Terras de Preto’ tivesse a dimensão que se constatou.
Nas discussões acerca da tarefa nos aspectos, elementos e indicadores a serem levantados, três fatores foram deliberados:
a) dados acerca da educação;
b) quais suas necessidades básicas para efeito de políticas públicas, pois que uma certeza todos tinham: as comunidades até então indicadas achavam-se instaladas em áreas de mais baixo IDH;
c) por último, havia a pressuposição de que tais comunidades pudessem apresentar elementos que as caracterizariam como tradicionais, possibilitando descoberta do auto-pertencimento e que resultasse, por conseguinte, no auto-reconhecimento, para fins de certificação como Comunidades Remanescentes de Quilombos de acordo com o Programa Brasil Quilombola da SEPPIR e com Fundação Cultural Palmares (FCP). Nessa direção, buscou-se um instrumento já configurado, no caso criado pela UnB e utilizado pela FCP, e encontrado em sua página na internet .
O instrumento citado, ainda na SEED, foi adaptado para que se pudesse adequar às finalidades do trabalho na Educação e, ainda que não sendo utilizado na íntegra, se constituiu num instrumento importante por ocasião da criação do Grupo de Trabalho em abril de 2005, no levantamento da realidade paranaense. (anexo ao Relatório)
Inicialmente baseados na Coordenação de Incentivo à Cultura da SEEC, agentes de Ação no Campo, em sua maioria professoras de história do Sistema Estadual, fotojornalistas da Secretaria de Comunicação Social e da Secretaria da Cultura, todos sob a orientação de profundo conhecedor da questão, este pertencente à Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos, dirigiram-se para as comunidades previamente indicadas sem uma visão muito clara do que se iria encontrar e nestas, à medida que iam desvendando o véu que as encobria, novos indicativos eram apontados, e assim, sucessivamente foram sendo visitadas. Até agora mais de 86 (oitenta e seis) comunidades, todas parte desta história negra que se negava existir, ainda que não quilombolas todas. Hoje, véu levantado, temos 36 (trinta e seis) Comunidades Remanescentes de Quilombo, auto reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), 08 (oito) Comunidades Negras Tradicionais, sendo que 03 (três) delas consideradas em situação especial, dependendo de avaliação mais aprofundada e técnica, e 28 (vinte e oito) indicativos de novas comunidades, ainda a serem visitadas, conforme “Lista de Comunidades” existente neste Relatório.
Concomitante ao questionário trabalhou-se com a perspectiva da cultura, da história oral, onde os membros mais velhos das comunidades foram ouvidos e assim se pôde trazer à tona a saga – muitas vezes quase esquecida e/ou perdida - das suas respectivas comunidades.
A tarefa cresceu momento a momento e foi necessário ir ampliando o quadro do GT; por duas vezes se prorrogar o prazo para efetuar o Levantamento Básico e, finalmente, foi imprescindível transferir-lhe a sede para local mais amplo com mais equipamentos e melhores condições de trabalho: o Centro Administrativo Santa Cândida. Face à necessidade de se dar conhecimento a todo o governo, e à sociedade, destes dados e dada a variedade e a multiplicidade das informações armazenadas pelo GTCM até o momento.
O presente relatório apresenta uma realidade integral, mesmo com dados parciais que devem ser aprofundados, tanto pela continuidade do trabalho do grupo como pela academia, mas também, e principalmente, pelos entes governamentais dentro de suas especificidades e programas, para a implementação de ações integradas, necessárias à inclusão social destas comunidades. No andamento da ação o GTCM procurou aprofundar algumas questões mas como foi dito, a tarefa se apresenta bem maior do que a expectativa inicial, frente principalmente à visão que se tinha do Paraná: europeu.
Ao se apresentar este relato é preciso fazer notar que o que mais chama a atenção de todos os que acompanham, local e nacionalmente, o que ocorre em nosso estado é a maneira plural como isto acontece: é política de governo, do atual governo, reafirme-se. Acontece de forma integral, tratando não só de desvendar e registrar toda esta realidade, mas procurando resposta aos desafios encontrados, que longe estão de ter solução imediata; em três anos e poucos meses saímos do total desconhecimento e abandono ao envolvimento do governo como um todo, com ações transversais sendo pensadas, projetadas e executadas principalmente levando em conta o necessário recorte étnico, pois que a metodologia utilizada pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura se respalda nas perspectivas da “pesquisa aplicada, destinada a intervir diretamente na realidade, a teorizar práticas, a produzir alternativas concretas, a comprometer-se com soluções” dos problemas diagnosticados pelo Levantamento Básico das Comunidades Remanescentes de Quilombos e “Terras de Preto” do Estado do Paraná.