Questões Sociais - Saúde nas CRQ’s e CNT’s

Aspectos Gerais Relacionados à Saúde, Condições Sócio-Ambientais e Medicina Caseira

O direito à saúde é fundamento constitucional de condição substantiva para o exercício pleno da cidadania. É eixo estratégico para a superação do racismo e garantia de promoção da igualdade racial, desenvolvimento e fortalecimento da democracia (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).

A política Nacional de Saúde Integral da População Negra abrange ações e programas de diversas secretarias e órgãos vinculados ao Ministério de Saúde (MS). Trata-se, de uma política transversal, com formulação, gestão e operação compartilhadas entre as três esferas de governo, seja no campo restrito da saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, seja em áreas correlatas, seu propósito é garantir maior grau de eqüidade no que tange à efetivação do direito humano à saúde, em seus aspectos de promoção, prevenção, atenção, tratamento e recuperação de doenças e agravos transmissíveis e não-transmissíveis, incluindo aqueles de maior prevalência nesse segmento populacional (MIN. DA SAÚDE, 2007).

O governo federal tem como meta na área da saúde, cobrir a totalidade dos 47 municípios destacados na Agenda Social Quilombola. Através de convênios com as prefeituras, o Governo Federal vai possibilitar o atendimento da população pelos programas de Saúde da Família e de Saúde Bucal. Equipes de profissionais de saúde farão atendimentos diretamente nas comunidades, o que confere respeito aos saberes e hábitos tradicionais, além de que na área de saneamento básico, 548 comunidades serão contempladas com obras e instalações para abastecimento de água potável encanada e melhorias sanitárias domiciliares. (Agenda Social Quilombola, 2007).

Por tratar-se de uma política transversal, com operação e gestão compartilhadas entre as três esferas de governo, o governo do Paraná por meio do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, iniciou em 2005 o levantamento das condições de saúde e saneamento básico das Comunidades Quilombolas Paranaenses, que ora passamos a descrever, para oportunizar às Comunidades Paranaenses o acesso aos seus direitos enquanto cidadãos.


Aspectos relacionados às condições de conflitos sócio-ambientais (indicativo de racismo ambiental)

O conceito de “racismo ambiental” se refere a qualquer política, prática ou diretiva que afete ou prejudique, de formas diferentes, voluntária ou involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor. Essa idéia se associa com políticas públicas e práticas industriais encaminhadas a favorecer as empresas impondo altos custos às pessoas de cor. As instituições governamentais, jurídicas, econômicas, políticas e militares podem reforçar o racismo ambiental e influem na utilização local da terra, na aplicação de normas ambientais no estabelecimento de instalações ambientais e, de forma particular, os lugares onde moram, trabalham e têm seu lazer as pessoas de cor (BULLARD, 2005).

Este conceito institucionaliza a aplicação desigual da legislação; explora a saúde humana para obter benefícios; legitima a exposição humana a produtos químicos nocivos, agrotóxicos e substâncias perigosas; explora a vulnerabilidade das comunidades que são privadas de seus direitos econômicos e políticos; subvenciona a destruição ecológica; cria uma indústria especializada na avaliação de riscos ambientais....(BULLARD, 2005)

Sendo assim, foram mapeadas as áreas de conflitos causados por racismo ambiental que hoje impedem tanto as Comunidades Quilombolas como as Comunidades Negras Tradicionais de se reproduzirem socialmente e de manterem sua qualidade de vida, prejudicando inclusive a saúde das pessoas.


O Conhecimento Tradicional das Comunidades Quilombolas e o Uso dos Remédios Caseiros

Nossa equipe de campo constatou que os quilombolas possuem várias soluções caseiras para as doenças e males que afetam as comunidades. A maioria dessas soluções estão presente apenas na memória das pessoas mais velhas da comunidade, indicando a necessidade de um plano urgente de resgate etnobotânico desses saberes tradicionais. As ervas medicinais durante muito tempo socorreram os negros e os quilombolas que por se encontrarem totalmente excluídos do sistema de saúde oficial só puderam contar com os seus conhecimentos tradicionais. As espécies dificilmente são plantadas, pois os quilombolas são coletores e praticam o extrativismo nas matas localizadas no entorno de suas casas. Esse fato torna-os profundos conhecedores da fenologia das plantas, conhecimento que poderia ser aproveitado para o manejo sustentável das espécies.

Entretanto, foi observado também que com a chegada da luz elétrica e o advento da televisão, muito dos conhecimentos populares têm sido substituídos pelos remédios alopáticos adquiridos em postos de saúde e farmácias.

Tanto as Comunidades Remanescentes de Quilombos, quanto as Comunidades Negras Tradicionais, por sua trajetória de vida são mantenedoras de um verdadeiro patrimônio imaterial, que são os conhecimentos de medicina baseada em plantas medicinais. Todo esse conhecimento carece de sistematização científica e proteção jurídica, potencial esse que poderá ser aproveitado em programas e projetos de saúde pública.

A equipe de campo coletou dados referentes ao uso de plantas medicinais pelas Comunidades. O conhecimento e uso de plantas para fins curativos são traços que caracterizam as comunidades tradicionais, característica essa que só pode ser percebida como pertencente a um habitus (BORDIEU, 1974) social ou mesmo uma resposta adaptativa das comunidades, normalmente localizadas em locais de difícil acesso aos centros de saúde e por falta de infra-estrutura de transporte.


Principais Dificuldades na Área de Saúde
  • Não foi encontrada nenhuma comunidade com água tratada;
  • Falta absoluta de saneamento básico, e em muitas delas o esgoto corre à céu aberto, acarretando sério problema de verminoses, além de contaminação do meio ambiente por ovos de helmintos e coliformes fecais;
  • Falta de assistência médica, odontológica e recursos para o funcionamento dos postos de saúde (nos raros casos em que há postos), como por exemplo: equipamentos, medicamentos e profissionais devidamente capacitados para atender as especificidades dos problemas de saúde de populações afro-descendentes;
  • Ausência de orientação e assistência para gestantes, bem como de planejamento familiar;
  • Nos municípios que possuem comunidades quilombolas e negras tradicionais, não foi encontrado nos postos de saúde, pessoas (médicos, enfermeiros e agentes de saúde) com formação específica para o tratamento e acompanhamento a doenças que são comuns aos afro-descendentes como: diabetes, anemia, anemia falciforme, hipertensão, dentre outras;
  • Muitos municípios com comunidades quilombolas ainda desconhecem o mecanismo de inserção no Ministério da Saúde para ampliação do Programa de Saúde Familiar;
  • Muitos municípios não disponibilizam transporte para os agentes de saúde irem até às comunidades, bem como de ambulâncias para socorrer pessoas doentes nas comunidades;
  • Há um grande número de moradias precárias, o que facilita o aparecimento de doenças;
  • Encontramos muitas pessoas com problemas de visão, que por não disporem de recursos não conseguem comprar óculos, fazendo com que não concluam a educação básica;
  • Muitas crianças desnutridas e com o abdômen inchado, indicando infecção por verminoses;
  • Criação de suínos soltos nas propriedades que por sua vez não dispõem de saneamento básico, fazendo com que haja uma incidência grande de pessoas portadoras de cisticercose e de neurocistecercose.


Principais Dificuldades na Área Sócio-Ambiental
  • Encontramos muitas comunidades totalmente cerceadas por plantações de pinus, soja transgênica, construção de barragens ou prejudicadas por terem em seu entorno áreas de proteção ambiental, por exemplo, citamos o caso do Parque das Lauráceas em Adrianópolis.


Reivindicações na Área da Saúde e Medicina Caseira
  • Implantação e ampliação do Programa de atenção à saúde da família nos municípios em que o programa ainda não existe; ATENDIDO
  • Implantação de programas de formação para a preparação dos próprios membros das comunidades para trabalhos preventivos e de atenção à saúde; EM PLANEJAMENTO
  • Solução para o problema de drogas e prostituição infantil;
  • Melhorias das estradas para que possam ter acesso à hospitais e postos de saúde;
  • Disponibilização de ambulância nas prefeituras para atendimento prioritário e/ou exclusivo das comunidades quilombolas;
  • Campanhas de prevenção e tratamento de toxicômanos;
  • Implantação de programas que valorizem os conhecimentos tradicionais em plantas medicinais;
  • Oficinas de capacitação para disponibilizar aos quilombolas uma referência teórica sobre as plantas medicinais usadas na preparação de remédios caseiros, incluindo cuidados no preparo, na coleta e armazenamento das ervas, contribuindo para gerar segurança nos remédios produzidos por eles;
  • Oficinas para elaboração de um álbum de ervas sobre plantas medicinais que contenha sistematizações sobre as plantas empregadas por cada comunidade, seus principais usos e formas de aproveitamento, visando dinamizar o trabalho de preservação dos conhecimentos tradicionais das comunidades;
  • Oficinas que permitam trabalhar agricultura e saúde conjuntamente, buscando enfocar a produção de alimentos saudáveis para a promoção da saúde e segurança alimentar das comunidades;
  • Realização de diagnósticos baseados em metodologias participativas para conhecer as necessidades e oportunidades das comunidades em relação à saúde preventiva;
  • Inventário Etnobotânico do conhecimento tradicional a respeito das espécies vegetais utilizadas pelas comunidades para resgate e valorização da sabedoria étnica sobre o uso de ervas medicinais outras;
  • Políticas de saúde que valorizem o conhecimento tradicional das comunidades na área de remédios caseiros, com implementação de farmácias comunitárias de plantas medicinais, organização das comunidades em redes para proteção dos conhecimentos tradicionais,


Reivindicações na Área Sócio-Ambiental
  • Implantação por parte do governo estadual de um sistema de apoio jurídico que possa defender as comunidades do “racismo ambiental”;
  • Regularização fundiária que dará maior autonomia para as comunidades poderem brigar por seus direitos no que tange a sua reprodução social.
  • A Comunidade Quilombola do Varzeão, tem todo o seu entorno comprometido pelas plantações de pinus, que além de causarem problemas ambientais seríssimos no solo e biodiversidade local, são responsáveis também pela contaminação das águas dos riachos pelo uso de agrotóxicos nas plantações. As privadas, via de regra, ficam do lado de fora da casa e utilizam como sistema de esgotamento sanitário, as fossas secas que contaminam o solo e o lençol freático, sendo que muitas das residências não possuem nem mesmo as privadas, e as pessoas acabam fazendo suas necessidades fisiológicas à céu aberto, contaminando o solo, a água e a criação cujo o manejo é solto. Não possuem água tratada, a água utilizada para beber, cozinhar e para a higiene pessoal vem de minas ou olhos d’água, que segundo análises realizadas pela Sanepar, estão contaminadas por coliformes fecais. As estradas que ligam a Comunidade com municípios que possuem postos de saúde e hospitais são péssimas e em dias de chuva, eles ficam totalmente isolados. O agente de saúde costuma visitar a comunidade uma vez por mês, porém o acesso à medicamentos é deficiente. É grande o número de adultos com pressão alta com necessidade de medicação de uso contínuo.


Problemas sócio-ambientais e racismo ambiental

Conforme BULLARD (2005), caracteriza-se como racismo ambiental qualquer política, prática ou diretiva que afete ou prejudique, de formas diferentes, voluntária ou involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivo de raça ou de cor. Sendo que essa idéia é válida para as políticas públicas e práticas industriais que visam favorecer empresas, impondo altos custos às pessoas de cor.

Como já foi mencionado, a Comunidade Quilombola do Varzeão se cerceado por plantações de pinus, pertencentes a várias empresas, dentre elas citamos a empresa norueguesa Noske Skog, que incorporou o Complexo Pisa Papel de Imprensa e Pisa Papel Florestal, cujo o patrimônio foi constituído com a aquisição de outras empresas detentoras de plantações de pinu,s como a Baú, Plantar, Braskraft, União Química, Sibisa e outras. Após a incorporação da Pisa pelo grupo norueguês, o patrimônio florestal foi vendido a um Fundo de Investimento Americano, que deu origem ao Grupo Florestal Vale do Corisco, dona de áreas de florestas plantadas e nativas nos municípios de Dr. Ulysses, Jaguariaíva, Sengés, Apiaí, Itapeva e Itararé. Para administrar essas áreas foi constituída a Valor Florestal, que se especializou nas operações de compra, colheita, transporte e fornecimento de madeiras às indústrias do setor. Para o desenvolvimento de sua ação a empresa envolve um universo de outras empresas menores que se constituíram ao redor do processo madeireiro e estão localizadas em diversos municípios paranaenses, inclusive em Dr.Ulysses, onde está localizada a Comunidade. Detectamos também a presença da empresa Línea Florestal que possui grandes extensões de terras no entorno da comunidade plantados com pinus (LOPES, 2007). O problema é grave na medida em que impede totalmente a comunidade de se reproduzir socialmente e até de praticar a medicina caseira baseada na coleta de essências nativas que hoje correm o risco de desaparecerem. Há também a contaminação das águas dos rios devido ao uso de agrotóxicos nas plantações de pinus, além da problemática relacionada à geração de renda. Hoje muitos dos moradores da Comunidade por não ter outra fonte de renda, acabam servindo de mão-de-obra barata para as empresas do ramo florestal.


O Conhecimento Tradicional e o Uso dos Remédios Caseiros, caso da Comunidade Quilombola do Varzeão

Os resultados parciais apontaram as seguintes espécies: pacova, barrilheiro, chapéu de couro, taiuá, dentre outras. Os quilombolas também citaram espécies nativas que usam para curar seus animais, a jurubeba (cura uma doença chamada bouba em galinhas), pitanga (o chá cura diarréia na criação de modo geral), taiuá (chá da raiz combate vermes na criação e mastite em vacas), e o chá da casca de aroeira (cura diarréia nos animais e é cicatrizante). Os moradores do Varzeão não possuem o hábito de plantar as espécies nativas, retiram as plantas diretamente dos fragmentos de florestas do entorno da Comunidade, fato preocupante porque a região vem sendo muito explorada pelas empresas do ramo florestal que derrubam a mata nativa e plantam pinus (LOPES, 2007).


Comentários Gerais

A realidade das Comunidades Remanescentes de Quilombos Paranaenses é muito parecida com a realidade de outras comunidades já relatadas em todo Brasil. Ou seja, são comunidades extremamente carentes e que por muito tempo foram excluídas e ignoradas pelo Poder Público, necessitando de implementação urgente de políticas que levem a inclusão social.

Assim, é preciso que se cumpra a Constituição Federal de 1988 que define os direitos do cidadão e os deveres do Estado: “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”, estabelecendo ainda o conceito de Seguridade Social, fixando a integração dos setores da saúde, previdência e assistência social.

Some-se a isso o fato da Lei 8080/90 dispor sobre: “a saúde tem como fatores determinantes, e condicionantes, dentre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país”.

O GT Clóvis Moura por meio de visitas às comunidades, ouvindo seus relatos, aplicando os questionários que contava com perguntas abertas e fechadas e documentando por meio de fotografias e gravações em fitas cassetes, concluiu que as comunidades negras paranaenses ainda não possuem os seus direitos constitucionais garantidos no que tange a área da saúde e sofrem cotidianamente pela prática constante do racismo ambiental, muitas vezes imposto por empresas estrangeiras, como é o caso das empresas do ramo florestal